No processo analisado pelo Tribunal Pleno, uma concessionária de rodovias pediu a suspensão de liminar contra decisões do juiz sentenciante da Vara do Trabalho de Nanuque, com a finalidade de desbloquear contas, levantar valores transferidos à conta judicial e paralisar execuções. Entretanto, o 1º vice-presidente do TRT mineiro, desembargador Ricardo Antônio Mohallem, rejeitou o pedido da concessionária, por entender que cabe a suspensão de liminar somente em caso de interesse público. De acordo com o desembargador, essa medida não pode ser adotada para a simples solução de problemas financeiros de natureza privada.
No caso, a concessionária de rodovias pretendia a suspensão de liminar com o objetivo de combater decisões judiciais proferidas em 60 reclamações trabalhistas e impedir o surgimento de outras em processos em andamento. Em consequência, ela recorreu da decisão de 1º grau que extinguiu a suspensão de liminar, sem analisar a questão central, em razão do descabimento da medida e da ausência de indicação e qualificação dos trabalhadores que ajuizaram as ações originárias.
Essas ações trabalhistas foram ajuizadas por ex-empregados de uma destilaria de álcool. A empresa foi condenada ao pagamento de várias parcelas, como saldo de salários, horas extras, cestas básicas, etc. O juiz da Vara do Trabalho de Nanuque incluiu a concessionária de rodovias como ré no processo, após a apuração de que havia relação societária entre ela e a destilaria de álcool, inclusive concluindo pela caracterização de grupo econômico.
Nas decisões contestadas, foi determinado o redirecionamento das execuções à concessionária de rodovias, penhora de bens e citação (arts. 133 do CPC e 841 da CLT), motivados pela desconsideração da personalidade jurídica e reconhecimento de grupo econômico. Em seu recurso, a concessionária alegou que ocorreu violação a vários artigos da Constituição, da CLT e do novo CPC em razão do bloqueio de valores, pela Vara do Trabalho de Nanuque, em 60 processos, totalizando R$13.780.246,61, com possibilidade de extensão das apreensões para 645 demandas e afetação de R$150.000.000,00.
A concessionária frisou, ainda, que poderiam ocorrer graves lesões à ordem, segurança e economia públicas, geradas pelas apreensões nas contas bancárias destinadas ao fluxo das tarifas de pedágio, que iriam privilegiar apenas 60 trabalhadores em prejuízo de 30 milhões de usuários anuais das rodovias concedidas, causando desequilíbrio econômico do contrato de concessão, com provável elevação das tarifas de pedágio. Protestando contra o reconhecimento do grupo econômico, a concessionária argumentou que cerca de 82% dos seus acionistas não têm qualquer ligação societária direta ou indireta com a ex-empregadora dos trabalhadores que ajuizaram as ações. Por fim, a concessionária enfatizou que a tarifa de pedágio pertence a terceiros, sendo que a apreensão da quantia pode prejudicar os empregados dela, com a possível quebra do empreendimento.
Entretanto, o desembargador não viu, na situação analisada, evidências de que a concessionária tinha a intenção de resguardar interesse público ou valores, como a própria saúde e segurança públicas. Ao contrário, para ele o que ficou evidente foi o interesse privado. Em seu voto, ele citou o artigo 4º da Lei 8.437/1992, cujo conteúdo é o seguinte:
“Art. 4° Compete ao presidente do tribunal, ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso, suspender, em despacho fundamentado, a execução da liminar nas ações movidas contra o Poder Público ou seus agentes, a requerimento do Ministério Público ou da pessoa jurídica de direito público interessada, em caso de manifesto interesse público ou de flagrante ilegitimidade, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas”.
Conforme acentuou o desembargador, a maior evidência de que os atos da Vara do Trabalho de Nanuque não atingiram bens ou interesses da Administração Pública é a origem dos bloqueios: reclamações trabalhistas dirigidas a ente de indiscutível natureza privada – concessionária de serviço público – que alcançaram apenas dinheiro de conta pertencente à concessionária. O relator observou que a própria concessionária informou que os bloqueios geram efeitos meramente indiretos para os bens e interesse públicos.
De acordo com o entendimento do desembargador, se não foi atingido um bem ou interesse público, não existe o requisito da suspensão de liminar nas “ações movidas contra o Poder Público ou seus agentes”, nos termos do artigo 4º da Lei 8.437/1992. Lembrou o relator que as dívidas cobradas nas execuções trabalhistas têm origem diversa da atividade de concessão, situação que afasta por completo a tese de que poderiam interferir na fixação da tarifa de pedágio. “Ademais, eventual interferência não comprova o interesse público direto, mas, tão-somente, o reflexo”, ponderou.
Conforme enfatizou o julgador, é importante salientar que as concessionárias de serviço público podem, em certos casos, lançar mão da suspensão de liminar. Mas a obtenção de um julgamento favorável está ligada à presença do manifesto interesse público, como, por exemplo, em discussões sobre desapropriação de área para melhorias do sistema rodoviário. De acordo com as ponderações do magistrado, o reflexo desfavorável ao interesse público não pode ser solucionado pela liberação judicial sumária das obrigações legais, sem a análise detalhada do conjunto de provas que podem ser produzidas no processo. “Se houver necessidade, o interesse dos 30 milhões de usuários anuais das rodovias administradas pela autora estará melhor resguardado pelos mecanismos previstos na Lei 8.987/1995, em especial aqueles que tratam da extinção da concessão (art. 35)”, completou.
Lembrou o desembargador que os mecanismos para a discussão sobre a regularidade da desconsideração da personalidade jurídica e da formação de grupo econômico são outros, ressaltando ainda que o interesse público, certamente, estará melhor resguardado pelas decisões judiciais que bloquearam valores para pagar créditos trabalhistas. Ao finalizar, o magistrado reiterou que é essencial a indicação e qualificação dos trabalhadores que ajuizaram as ações originárias, já que eles seriam diretamente afetados caso fosse decidido pela suspensão da liminar. Isso porque, como explicou, as decisões contestadas foram proferidas em execução trabalhista, na qual foi reconhecida a responsabilidade da concessionária pelo pagamento de valores em favor desses trabalhadores.
Por esses fundamentos, o relator afastou as teses da grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas com origem na apreensão de valores provenientes das tarifas de pedágio. Em decisão unânime, o Tribunal Pleno acompanhou o voto do relator e negou provimento ao recurso da concessionária de rodovias. Houve recurso contra essa decisão e o processo será enviado para análise do TST.
PJe: 0011593-61.2016.5.03.0000 (Ag)
Fonte: Âmbito Juridico.com.br