O processo eleitoral repôs na pauta das discussões e debates o direito constitucional de ir-e-vir: o direito de usufruir das vias públicas quem pagou por elas e as mantém. A cidadania continuará ameaçada enquanto o poder público, que é um sócio-usurpante, não lhe devolver esse direito constitucional de ir-e-vir.
1 -Sabemos que, ao final, só a população espoliada poderá resgatar esse direito, pela força de sua legitimidade e com os meios necessários. Pois a tentativa político-partidária de jogar com esse contencioso levou a política estadual ao descrédito; ainda que agora o governo divulgue reproduzir a questão de quinze anos atrás: arrendar as rodovias públicas ou abrir estradas e pinguelas para garantir a locomoção das pessoas.
Com a cumplicidade dos tribunais, o governo vendeu bens públicos, arrendou funções públicas, alugou propriedades e serviços públicos, sem que seu legítimo proprietário, o povo, tivesse garantidos os seus direitos. E o Supremo Tribunal Federal, a quem competiria a estrita observância da Constituição Federal e das leis derivadas, é sócio de um “projeto aristocrático de modernização econômica”, do qual classes subalternas e estratos sociais trabalhistas não fazem parte.
Nessa “democracia”, se depender de rábulas ou de ordens profissionais liberais e confessionais, nada feito, pois eles estão também associados contra a cidadania.
2 – Mais uma vez, no lugar de fazer concorrência pública para investimentos em autopistas paralelas às atuais estradas ‑ a exemplo do que fazem os países desenvolvidos: com o direito privado ao ressarcimento por 10 ou 15 anos na forma de pedágio ‑, o governo anuncia que está criando e difunde programa de fazer ele próprio as novas rodovias, deixando as atuais nas mãos dos grileiros de propriedades e estradas.
3 – A existência dos indivíduos está ligada ao seu direito de fixar-se ‑ que não é só o de residir e sim de escolher a residência, dela partir e a ela regressar ‑ e para isso trafegar livremente. O direito de ir-e-vir antecede aos direitos à saúde, à educação e a outros pelos quais nos batemos na vida social.
Essa é uma questão central da cidadania, pois o roubo de bens públicos e a usurpação dos direitos da população são a parte central nessa corrupção público-privada das instituições brasileiras, mais importante do que a “corrupção do poder público” (por meio da concussão com propinas para as “sanguessugas” da saúde, do “mensalão” para pagamento de votos no Legislativo, das “concessões e arrendamentos” das propriedades públicas pelo governo). O direito de ir-e-vir é mais importante do que a desídia de funcionários públicos ou o agravo das organizações criminosas (que estão fora do poder público).
4 – Permanecem pedagiados 2.300 km de rodovias públicas, e o Fórum Social Contra o Pedágio alerta a população para a gravidade de novas investidas para alienar os direitos sociais com o arrendamento político de outras tantas vias de comunicação.
Recomenda ao eleitorado que cobre atitudes dos partidos e candidatos para que lhe seja restituída a propriedade na posse dos caminhos públicos.
Curitiba, 13 de setembro de 2006