Brasil e o nó do rodoviarismo

A rebelião dos motoristas de caminhões que, impedidos de circular livremente pelas avenidas marginais de São Paulo, deixaram a capital sem combustíveis durante os últimos dias, ameaça alastrar-se por todo o país. A promessa é do sindicato dos caminhoneiros autônomos, que pretende protestar contra restrições de trânsito em outras praças e pela fiscalização do pagamento correto dos fretes em todo o país. Se o movimento ganhar corpo e se materializar, sem qualquer dúvida, viveremos mais dias de desconforto, incerteza e prejuízos.

A economia brasileira é totalmente dependente do caminhão. Nas décadas da industrialização do país, governos irresponsáveis deixaram de investir na ferrovia, construídas por iniciativa dos cafeicultores e encampadas política e ideologicamente pelo poder público. Ao mesmo tempo em que a demanda por transporte crescia, os governantes negligenciavam os trilhos, preferindo abrir estradas de rodagem e nelas colocar caminhões, ônibus e automóveis. Fizeram o Brasil rodoviário e liquidaram o país ferroviário já existente. O arrendamento dos trilhos para as operadoras que hoje atuam sofrivelmente no transporte de cargas foi apenas o tiro de misericórdia num sistema já colapsado.

A opção rodoviária trouxe custos elevadíssimos. Com a ampliação da economia, as rodovias tornaram-se insuficientes para demanda aumentada e outrora absorvida pelo trem. Para fazer frente ao problema, adotou-se o sistema de concessão e pedágios que acabou se transformando num excelente negócio para poucos e num pesadíssimo ônus para a população obrigada a, muitas vezes, pagar mais de pedágio do que de combustível para percorrer um trecho. Isso que, também, pagamos um dos mais elevados preços do mundo pelos combustíveis.

Mas, o mais grave é que ficamos reféns do caminhão. “Sem caminhão, o Brasil pára”, costumam dizer os reivindicantes do setor. E isso é verdade. Corremos o risco de, não atendidas as reivindicações dos caminhoneiros, deixarmos de receber os insumos necessários ao nosso trabalho e até à própria vida. Isso equivale ao caos, que tem de ser evitado por todos os meios.

O nosso grande país, hoje industrializado, corre o risco de parar por falta de transporte. Isso aponta para a necessidade de se desenvolver uma verdadeira política de salvação para o setor, considerando que o caminhão deve ser apenas uma parte do sistema, não o todo, como temos hoje em dia. É preciso recuperar e modernizar as ferrovias, dar utilização sustentável às hidrovias, incentivar o sistema aéreo de cargas e, principalmente, implantar a intermodalidade. No dia em que tudo isso estiver funcionando, o caminhão será naturalmente conduzido à sua função de ponta, transportando as cargas do produtor até o terminal de embarque e do terminal de desembarque ao consumidor.

Os grandes trechos serão feitos sobre trilhos, dentro de rios ou em aviões, como ocorre nas regiões mais avançadas do planeta. E deixaremos de ser reféns de uma classe que – se quiser – pode parar o país…

Tenente Dirceu Cardoso Gonçalves – dirigente da ASPOMIL (Associação de Assist.

Social dos Policiais Militares de São Paulo)

aspomilpm@terra.com.br

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