Pedágio público, um novo caminho

“Todo cidadão tem o direito de ir e vir. Desde que seja a pé, de outra forma paga pedágio” – Clarice Lispector

Luiz Claudio Romanelli

Não acredito neste modelo de pedágio que transfere para a iniciativa privada bens e serviços que deveriam ser operados pelo Poder Público. No Brasil, a concessão virou sinônimo de negócio, até de roubo, e se alimenta do Estado cartorial que predomina no País desde o século XVIII. Há muito que as obrigações dos governos estão sendo terceirizadas para assegurar vantagens a determinadas pessoas ou grupos econômicos.

Áreas estratégicas estão nas mãos daqueles que se interessam em auferir lucros e ganhos enormes às custas do cidadão que é obrigado a pagar por serviço imposto de cima para baixo. Há uma verdadeira dilapidação do patrimônio nacional, com o tecido do bem estar social cada vez mais erodido, o que alguns estudiosos já classificam como necropolítica.

O Estado cartorial, ao que parece, se organiza para aplicar aquela máxima de criar dificuldades para vender facilidades. É um ciclo vicioso que se renova de tempos em tempos para que tudo fique como está. No caso das concessões rodoviárias, a justificativa da terceirização é de que os recursos públicos são finitos e os governos perderam a capacidade de investir na modernização das estradas.

Sob este argumento, o Paraná passou 25 anos como refém de empresas que se preocuparam somente com lucros e deixaram um legado de corrupção e obras não realizadas. O fim dos contratos, no final de 2021, foi um alívio porque o saldo é de um enorme prejuízo para o desenvolvimento socioeconômico do Estado. As empresas enriqueceram à custa do sacrifício dos paranaenses.

Desde o início do programa de exploração de rodovias do Paraná fui contrário ao sistema de concessão. Minhas críticas nunca se resumiram apenas ao modelo adotado, nitidamente prejudicial à sociedade, mas ao fato de que é possível uma solução diferente. Foi com esta lógica que me aprofundei no tema pedágio e trabalhei de forma incansável em defesa dos direitos dos usuários nas últimas décadas.

A nova concessão, atualmente em estudo pelo Tribunal de Contas da União (TCU), é menos ruim que a anterior. Por pressão da sociedade paranaense derrotamos a ideia de licitação pelo modelo híbrido, que exigia uma taxa de outorga que poderia retirar até R$ 9 bilhões da economia estadual e limitava descontos nas tarifas. Mas ainda há muita preocupação sobre a atual proposta.

Nesta semana, pedimos ao TCU a suspensão do processo. Entendemos que o Ministério da Infraestrutura e a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) deixaram de publicar documentos e dados essenciais para a continuidade da licitação, como projetos técnicos das obras e os valores das desapropriações. São questões básicas, com reflexo direto na formação do preço final das tarifas.

Outra situação pendente é a falta de interlocução dos órgãos federais com os municípios que serão impactados pelas obras da futura concessão. Até o momento não houve nenhuma manifestação formal ou informal para ajustar as intervenções previstas nas rodovias com os planos diretores e de mobilidade das cidades. Os novos pedágios não podem isolar comunidades ou quebrar a dinâmica socioeconômica regional.

A Corte de contas, que precisa dar aval ao edital e aos contratos, parece que também quer se cercar de cuidados para liberar o processo licitatório. Por isso, designou um auditor que ficará dedicado exclusivamente ao programa proposto para o Paraná. Trata-se de uma decisão acertada, visto que quando as rodovias forem entregues ao setor privado ficaremos amarrados a um CNPJ por mais 30 anos.

Nós, paranaenses, bem sabemos do que estas empresas são capazes, e causa temor saber que as principais concorrentes do mercado nacional de concessões são bastante conhecidas dos paranaenses. Metade dos seis lotes do Anel de Integração estavam sob responsabilidade do Grupo CCR e da EcoRodovias, que são as duas companhias que têm disputado e ganhado os principais leilões realizados pela União.

Considero um equívoco seguirmos pelo caminho de perpetuar este modelo de Estado cartorial, porque ele se opõe diretamente à necessidade de termos um Estado funcional. Em relação às concessões rodoviárias, minha proposta passa pela criação de uma empresa estatal para gerir a malha pedagiada do Paraná.

Podemos ter uma sociedade de economia mista, nos moldes da Copel e da Sanepar, que são modelos de eficiência e de gestão, com absoluto controle sobre recursos e investimentos. É possível transformar a Ferroeste em Rodopar (Rodovias do Paraná) ou revisar as atribuições do DER-Pr. Além disso, acredito que deveríamos ter um Fundo de Desenvolvimento Rodoviário, de onde sairiam os recursos para as grandes obras.

Uma estatal comprometida com o progresso dos paranaenses poderia cobrar tarifas mais razoáveis. Devemos avançar neste debate, que é de interesse público. Do contrário, seguiremos apenas pagando a conta.

Luiz Claudio Romanelli, advogado e especialista em gestão urbana, é deputado estadual e vice-presidente do PSB do Paraná

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