O MICO

O mico ferroviário é um gênio

15/3/2006 – O Globo – Elio Gaspari

O melhor negócio do mundo é fazer qualquer coisa, desde que a Previ (fundo
de pensão do Banco do Brasil) e o Funcef (da Caixa Econômica) botem
dinheiro de seus trabalhadores na empreitada. Um telefonema do Planalto
para o velho e bom BNDES, uma assessoria de fundecas transgênicos, e
abracadabra.

O tucanato fez essa mágica em 1996, quando vendeu a malha ferroviária que
liga o Centro-Oeste a São Paulo.

À época a palavra mágica era “privatização”. Quando um grupo americano
liderado por uma empresa que fabricava pipocas carameladas arrematou os
trilhos, o ministro do Planejamento, Antonio Kandir, ensinou: “Sem
investimento privado na infra-estrutura o país não cresce.”

Blablablá do capitalismo prometido. O investimento saiu do BNDES, da Previ
e do Funcef. Dez anos depois do palavrório tucano, a empresa Brasil
Ferrovias, que resultou da fusão dos privatas de 1996, não conseguia honrar
as prestações do arrendamento (R$ 280 milhões) nem os impostos que devia à
Viúva. A redenção da infra-estrutura virou um buraco de R$ 1,6 bilhão na
barraca do Largo da Carioca.

Se o palavrório capitalista fosse sério (como o foi na hora de desempregar
perto de 500 trabalhadores), a Brasil Ferrovias deveria ser levada ao
mercado e vendida pelo que valesse. Nesse caso, os fundecas seriam
responsabilizados pela leviandade de seus investimentos e pelo silêncio
instalado a partir de 2003. Foi preciso empinar uma nova palavra mágica.

Em outubro passado ela veio da retórica retumbante de Lula:

“Hoje é um dia muito importante, porque, além de reestruturarmos a Brasil
Ferrovias, estamos reordenando o processo de privatização que deixou à
deriva o sistema de transporte ferroviário, tão essencial num país
continental como o Brasil.”

A empresa passou a se chamar Nova Brasil Ferrovias. Sob a coordenação de um
telúrico escritório de arquitetura financeira (Angra Partners) habitado por
ex-dignitários dos fundos, transformou-se calote em carinho. Cerca de R$
400 milhões de dívidas vencidas viraram ações compradas pelo BNDES. Isso e
mais outros R$ 400 milhões de dinheiro novo. A conta fechou em cerca de R$
1 bilhão. O índice de estatização da malha que transporta 15% da soja
nacional ficou em 90%. Como acontece desde o século XIX, privatiza-se,
avacalha-se, estatiza-se e volta-se a privatizar. (Faria bem à patuléia
conhecer os nomes de todos os doutores que integraram seu conselho de
administração, bem como o valor de seus honorários.)

O palavrório de Lula e o dinheiro da Viúva desinfetaram a empresa e ela
talvez seja vendida nas próximas semanas. Um ProFerro.

Por motivos inexplicados, a Nova Brasil Ferrovias teve um surto de
calotismo. Passou três meses toureando um débito de R$ 273 milhões com o
Tesouro. Chegou perto da perda da concessão. Desde setembro do ano passado
a empresa sabe que teve protestada uma dívida de R$ 5,6 milhões com uma
empresa de participações. Desde novembro, sabe que teve a falência
requerida. Preferiu não tomar a providência acauteladora do depósito
judicial. Na semana passada, teve a falência decretada pelo juiz da 2 Vara
de Falências de Recuperações de São Paulo. Promete recorrer, mas reduziu
sua margem de manobra.

Quando a Angra Partners desenhava a injeção de mais dinheiro da Viúva na
privatagem ferroviária, o presidente da Funcef, Guilherme Lacerda,
garantiu: “A empresa está numa situação grave, e essa é uma solução
estruturante, que resolverá de vez todos os problemas.”

Todos? De quem?

ELIO GASPARI é jornalista.

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